05 março 2007

A vida, os instintos e a compreensão da existência


Sempre gostei de touradas, não pelo que é em si mesma mas pelo que representa. A tourada não é apenas uma herança histórico-cultural, é uma alegoria que representa a vida. O touro representa a vida ao seu nível mais básico e os instintos de sobrevivência, e o homem que o enfrenta simboliza a astúcia do ser humano contra os seus mais básicos instintos, a supremacia da mente, da intuição, da vontade e perseverança. É no fundo um duelo entre o bem e o mal, entre a besta e a razão, entre o instinto e a intuição. O toureiro sabe que corre riscos, que qualquer distracção ou movimento em falso pode custar-lhe a vida, que o touro é imprevisível e a sua força desmedida. Ainda assim ele entra na arena com coragem, quer demonstrar a sua vontade inquebrantável de vencer. Quando olha nos olhos do touro tem medo de perder a vida, mas vai bater-se por ela com coragem.

Não é isto que acontece com cada um de nós internamente? Não queremos todos nós vencer o instinto com a razão? Sobrepor o mental ao físico? Redescobrir a essência espiritual ?

Este fim-de-semana tive um sonho interessante. Eu estava a assistir a uma tourada peculiar numa arena improvisada. Tratava-se de crianças muito jovens a fazer tropelias com um vitelinho bebé. Corriam à frente dele, faziam barulho com latas atadas a varas para confundir o bicho e gritavam bem alto. À medida que essas crianças iam crescendo perante o olhar dos adultos o vitelo também crescia transformando-se num touro robusto, mais difícil de tourear, com manhas e a chegar cada vez mais perto daqueles que o desafiam. Eu estava a assistir consciente do que a cena representava... A vida. O instinto e a razão, o medo e a coragem, a dualidade interna de cada Ser Humano. Desinteressei-me do assunto e retiro-me. Caminho sozinho num passeio mas sinto uma presença atrás de mim. Contorno um edifício apalaçado e detenho-me um pouco no portão da casa. Olho para trás e vejo um bispo que me cumprimenta cordialmente como se fosse meu velho conhecido, vem acompanhado de duas senhoras e entra no pátio da casa onde se está a realizar uma missa. Não entro e continuo o meu caminho. Ao caminhar sinto na mão direita uma dezena pela qual rezo, e na outra um terço comprido, escuro que pende da cintura tal como os franciscanos o usam preso no cordão com que cingem o hábito. Sigo em frente e encontro uma varanda sobre o mar. No mar mesmo em frente à varanda onde me encontro está uma estátua de Santo António enorme, bem esculpida e pintada à cor natural. O mar era verde e não tinha ondas. Não corria uma aragem e eu olhava deslumbrado para a estátua que se erguia no meio do mar. Quando estou a apreciar a escultura reparo nas vestes que cobrem o Santo. É um hábito castanho de franciscano, com motivos dourados ao estilo da estatuária do séc. XVIII. Foco a minha atenção nos motivos dourados que a um olhar desatento parecem flores-de-lis ou algo semelhante e reparo no simbolismo. Os dourados do hábito franciscano são mandalas dispostas em cruz, quatro ou cinco não sei precisar com certeza, mas a do meio continha um touro que representava a vida e nas seguintes os pontos fulcrais da das 2ª, 3ª , 4ª e 5ª audição. Estavam representadas orelhas com pontos bem marcados. Que eu podia ouvir com outros ouvidos e escutar o meu eu interior e tudo o que necessitasse. Estavam representadas também vários tipos de árvores com a forma das copas diferentes umas das outras e que representavam as varias formas de enraizamento e conexão com a energia universal que nos alimenta o corpo físico e a alma. À medida que os meus olhos contemplavam o simbolismo destas representações eu sorria para comigo fascinado com a simplicidade das verdades reveladas...

Acordei em paz, com a vaga sensação de saudade, e a lembrança parcial do que vi reflectido nos símbolos que me foram mostrados.

Obrigado

01 março 2007

Perdidos e Achados


"Solidão é quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa alma"

Francisco Buarque de Holanda
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